Homossilábicas
Trata-se de um projeto da Editora Escândalo que convida escritores de temáticas LGBT a participar de um concurso de contos, e a partir disso realiza a publicação de um livro com os autores selecionados.
Trata-se de um projeto da Editora Escândalo que convida escritores de temáticas LGBT a participar de um concurso de contos, e a partir disso realiza a publicação de um livro com os autores selecionados.
Em
sua terceira edição, conta com 11 contos que exploram diferentes nuances do que
seriam amor e desejo.
No
primeiro conto chamado Presente de
casamento,do autor Alexandre Calladini,relata a história de João Alfredo
Werneck,um famoso fotógrafo de casamentos que depois de uma desilusão amorosa
do passado não acredita mais no amor e só realiza o seu trabalho por ser algo rentável.
Quando o destino lhe reserva uma bela surpresa ele é chamado para fotografar o
casamento de Cristina e o Amadeu,antigos colegas de faculdade. Sendo que Amadeu
foi o seu grande amor do passado e ficou desconsertado com a situação. Mesmo em
turbilhão emocional,seguiu adiante com o seu trabalho até que há um encontro
com Amadeu no momento em que está fotografando o noivo a espera da noiva no
altar, e diante do reencontro Amadeu fica emocionado e sua mãe pede que o fotógrafo
o leve até a sacristia para se recompor. Há uma conversa tensa entre os dois a
respeito do passado e de sentimentos que ainda estavam presentes em seus
corações. A leitura dessa história me fez perceber quando há algo mal
resolvido em sua trajetória o destino sempre lhe reservará um encontro para o
dito acerto de contas,para assim se poder seguir em frente sem amarguras,e,quem
sabe, surpreender com um belo desfecho. Cabendo a você determinar o que será
relevante a ser considerado como as linhas iniciais de sua futura jornada.
Alexandre Calladini
No segundo conto, chamado Sobre o Amor Definitivo, da autora Anita Prado, trata-se de uma
carta escrita por César para seu ex-namorado Rogério, em que fala de seus
sentimentos em relação a traição sofrida, da vontade que teve de ir a um bar
tomar um porre para se consolar do seu rompimento. Quando, no caminho, passa em
frente a uma igreja evangélica onde alguns “irmãos” se reuniam com bíblias nas
mãos. Depois dessa cena foi até o bar, e optou por tomar um suco por lembrar
que sempre depois de uma bela noite de bebedeira sempre vem acompanhada de um
dia de ressaca. Logo, volta para casa e acende uma vela para seu anjo da guarda
e para Deus. Sentado na beira de sua cama tem um encontro surpreendente que lhe
consola com belas palavras, e lhe faz desmitificar conceitos do que seria o
verdadeiro amor. Ao ler este conto percebi que o consolo para suas angústias
está maior do que se pensa e que os seres humanos devido a seus prejulgamentos
tendem a oprimir uns aos outros, e, com isso geram traumas e conflitos desnecessários,
que impedem os ditos rejeitados por possuírem uma maneira diferente de ver a
vida de se aproximarem de sua espiritualidade por estar enraizada em conceitos
tão arcaicos.
Anita Prado
O terceiro conto, chamado Velha-Guarda, de mesma autora, conta a história de uma lésbica
masculinizada que tem um amigo gay chamado Xuxa, que segundo a personagem,
busca explicação para tudo na vida. Segundo seu amigo, ela pode ser na verdade
um homem trans, e não uma lésbica, por ter conceitos e pensamentos de uma
essência masculina. Mas, ela se identifica como sapatão. Ela se encontra
perdida no atual cenário lésbico, pelo fato de se dizer da velha-guarda. Por
não conseguir entender como duas lésbicas masculinas ou duas lésbicas femininas
podem se relacionar entre si, e que muitas optam por um visual que permeia
entre o feminino e masculino. Esta história me fez entender que muitas ditas
lésbicas masculinizadas, por medo ou falta de informação, se escondem sob essa
identidade para poderem seguir vivendo sem medo de grandes conflitos que a
transexualidade traz em nossa sociedade. Como por exemplo, nascer em um corpo
distinto de seu ser.
O quatro conto, chamado Aquele Que Se Morde Para Experimentar o
Corte dos Dentes, do autor Rodrigo Machado, relata a história de um rapaz
que é ajudante de obras e passa para o Sr.Florisvaldo, em reformas de salas
comerciais, e em construções através de Marcos que conhecia o seu avô. Ao lado
de Leno, Carlos e Marcos vivencia muitas experiências em prostíbulos e bares.
Vivencia a exploração de um trabalho hostil e sem grandes perspectivas, mas que
ao menos lhe proporciona diversões e um meio de subsistência. Certa noite, em um
trabalho, percebe uma estranha movimentação no quarto em que estão os seus
companheiros de trabalho, e, diante desse episódio fica sem entender o porquê
de estar desprezado por eles no dia seguinte. Ao ler esse relato percebi o
quanto o machismo é presente na sociedade, e que ele faz com que homens estejam
com mulheres para usá-las sexualmente, e também para a manutenção de sua
virilidade através de relacionamentos como, por exemplo, casamentos e que
muitos possuem desejos homossexuais, e os vivem na clandestinidade por medo de
perderem o seu papel de homem na sociedade, por entenderem que ao ficar
publicamente com o mesmo sexo estarão renunciando aos privilégios da
masculinidade.
Rodrigo Machado
O quinto conto, chamado O Filho do Pai: a dor do amor, do autor
Daniel Manzoni, relata a história de um pai que tem um filho homossexual e uma
mulher com problemas psicológicos que rejeita totalmente a homossexualidade de
seu filho, e ele, envolto nesse conflito familiar, se vê perdido, e quando tem
um encontro com um rapaz da mesma faixa etária e vão para um café conversar, e
em seguida, se dirigem até um hotel no centro da cidade. Ele vivencia a sua
primeira experiência homossexual, para assim buscar entender o que o seu filho
busca em um homem, e depois dela se sente mais perdido, e quando vai para a
casa discute bravamente com o seu filho. Depois da discussão, ele fala ao filho
que ele não precisaria buscar fora de casa aquilo o que lhe faltava. A lição
que fica deste conto é que enquanto a sociedade não entender que a
homossexualidade é uma forma de amar como qualquer outra, as famílias estarão
vivenciando conflitos desnecessários aos seus membros, e fazendo com que muitas
descobertas que deveriam ser encaradas de forma saudável, sejam entendidas como
possíveis distúrbios, por não se enquadrem ao padrão social.
Daniel Manzoni
O sexto conto, chamado Memórias Levantadas Pelo Vento, do
autor Miguel Vicentim, relata a história de um rapaz que tem o seu mundo
centrado por Fábio, o grande amor de sua vida, só que por desencontros da vida
eles não estavam mais juntos. O que seria mais um final de semana de sessão de
cinema solitária, acaba conhecendo Marco, um jovem moreno alto, bonito e
sensual. Os olhares se encontraram e telefones foram trocados. Um telefonema
foi dado, e com isso um novo encontro acontece na casa de Marco, já que seus
pais tinham viajado. Os desejos do encontro anterior foram saciados, e na noite
seguinte eles se despedem com um beijo ardente e a promessa de um novo
encontro. Como a vida não pode deixar de surpreender, Fábio depois de algum
tempo surge na vida do nosso personagem, e ele fica dividido entre o passado e
o presente. Um trecho presente no livro, em minha opinião, define a mensagem
que o escritor quis transmitir: “Não existem respostas, não existem
justificativas, existem apenas narradas. E muitas destas histórias estavam ao
nosso lado, espalhadas pelo chão.”.
Miguel Valentim
O sétimo conto, chamado Transformações do Amor, do autor Ben
Oliveira, relata a história de Boyce, que vive a sua homossexualidade de forma
escondida e sem grandes envolvimentos, por ser casado com Lauren, que sempre
foi sua confidente e sabia desde sempre de sua situação. Casaram-se e tiveram
uma filha, como manda o padrão social estabelecido. Lauren também seguia a
mesma filosofia de seu marido, se envolvia sexualmente com outros homens. Mas,
nada de envolvimento emocional com nenhum deles. Esse cenário passa a se modificar
com a chegada do jovem Joca, um peão que vai até a fazenda deles em busca de
emprego e de um lugar para ficar, nem que seja por pouco tempo. Boyce se comove
com a situação e conversa com sua esposa para que o rapaz possa ficar na
fazenda, mesmo que seja por um tempo, e ela permite. Com a convivência, Boyce e Joca passam a
conversar cada vez mais, e vivenciam deliciosas experiências sexuais, e o
sentimento entre os dois se desenvolve. Boyce se vê perdido diante da
possibilidade de amar um homem, e ao mesmo tempo ter de manter a sua vida de
casado. Na leitura dessa história
entendi que o amor surge nas situações mais improváveis, e que por mais se fuja
dele, uma hora ou outra ele nos encontrará em nossa jornada. Que a vida de
aparência traz muitos desencontros e infelicidades que se acumulam com o tempo
e toda uma trajetória pode ser perdida se não houver luta para se ser quem é na
realidade.
Ben Oliveira
O oitavo conto chamado, Da Cor do Açaí, do autor Sérgio Viula
relata a história de um homem solitário que com a chegada de seu novo vizinho,
Pedro Paulo, que apesar do nome cristão, era filho de um holandês com uma
índia. Ele notava toda a beleza e solidão que existia em seu novo vizinho. Até
que um dia há uma aproximação entre os dois e passam a conversar sobre algumas
coisas na varanda de Pedro Paulo. Só que o nosso protagonista convida o vizinho
para conhecer o seu trabalho de tradução em sua casa. Lá, ele se mostrava
maravilhado com as traduções do protagonista, e ele fala de mitos gregos em que
se abordava a história de amor entre dois homens e nada disso parecia chocar
Pedro Paulo. Eles se tornam mais cúmplices e o vizinho confessa que adorar
nadar e logo surge o convite do tradutor de irem juntos nadar. Quando lá chegam
há um total estado de contemplação por parte dele ao corpo daquele mestiço com
traços indígenas e holandeses. O que me marcou nessa narrativa é o fato que
apesar das convenções sociais impostas por diferentes sociedades, quando alguém
deseja realmente se encontrar em sua trajetória precisa muitas vezes ir para
outros lugares em que possa recomeçar sem as amarras do passado e que o
sentimento de desejo pode muito bem, com o tempo, se transformar em algo
profundo basta se abrir para isso.
Sérgio Viula
O nono conto, chamado Era, do autor Felipe Moreira, relata um jovem que acaba conhecendo
um rapaz em uma festa. Conversaram por um tempo sobre casualidades da vida, e
logo o desejo entre eles fala alto quando se beijam e se abraçam. Depois de um
tempo, contemplam juntos o céu. Eles se sentiam conectados como se tivessem se
conhecido há muito tempo. O nome dessa narrativa me chamou atenção pelo fato de
que simboliza quando não importa o tempo em que se conhece alguém, ou em que
ocasião o conheçamos, o grau de importância que terá em nossa vida dependerá do
grau de conexão obtido nesse primeiro encontro. Por isso, ao lê-lo me senti em
meio aquela frase clichê: "era como se eu tivesse conhecido há
décadas".
Felipe Moreira
O décimo conto, chamado Vagalumes nos Jardins, do autor Cìcero
Edinaldo, relata a história de um rapaz que perdeu sua mãe muito cedo e ficou
aos cuidados de sua tia que tinha dois filhos. Ele era tratado como se fosse da
família, e por isso se sentia parte integrante daquele lar. Em sua adolescência
o seu primo Èsau lhe surpreende com declarações amorosas, e ele que também
nutria um sentimento por seu primo, logo se rende a esse sentimento. Eles
passaram às escondidas, a tere relações sexuais por três vezes por semana, só
que com o passar do tempo, Èsau já não era mais tão carinhoso e só o procurava
para satisfazer suas necessidades sexuais. Inconformado com isso, confronta o seu
primo para uma conversa e descobre da pior maneira, como era visto na realidade
por ele. A depressão toma conta de seu ser e logo desperta a preocupação de sua
tia atenciosa. E ele sempre na defensiva, sem querer recuperar a sua
autoestima. A mensagem contida nessa narrativa é que nem sempre os desejos
carnais são bons conselheiros quando esperamos algo mais profundo de uma
pessoa, e que devido ao preconceito interno e externo, muitos acabam não
assumindo o que sentem na realidade e acabam magoando os outros e a si mesmos.
Cícero Ednaldo
O décimo e primeiro conto,
chamado O Ponto do Amor, do autor
Tales Gubes, relata a história de um rapaz mais velho que se apaixona a
primeira vista por um mais novo, quando o vê num ponto de ônibus. O
protagonista tem delírios românticos com o seu amor, e acredita na
possibilidade desse amor um dia se concretizar. Esta última narrativa nos
mostra que, às vezes, a não realização de uma relação, ao invés de deixar
alguém amargurado e triste, pode levá-lo a ser esperançoso e crente em novas
possibilidades que a vida pode trazer.
O projeto Homossilábicas além
de fazer com que escritores e escritoras possam mostrar o seu talento como
contistas, revela a multiplicidade existente na literatura LGBT.
Tales Gubes
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Espero que tenham gostado. Em breve novas resenhas!
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